Contarás nos dedos os dias que faltam para que termine o ano, não são muitos, pensarás com alívio. /Caio Fernando Abreu
(ainda bem ainda bem ainda bem ainda bem)

180 dias

Dançando ele me beijou, jurei, mesmo sem ele pedir, não contar pra ninguém, foi de repente, inesperado, estremecedor e proibido, parecia que era, até hoje eu não sei. Dormi pensando que tinha mudado tudo, que a partir daquele momento tudo seria diferente, pensando que levaria só comigo pra sempre aquele segredo e pronto. O que ele pensava, não sei. Sei que não me deixou esconder, não me deixou ir sozinha, sei porque tentei muito ir, e ele não deixava de jeito nenhum, mudei tudo, fiz uma reviravolta, enfrentei olhares furiosos, decepcionantes, inquisitivos. Tive medo de pular e então ele ficava me puxando, até que mergulhei, mergulhei fundo, tão fundo que eu quase não lembro, de ter dezessete anos, de descobrir o sexo, o amor, a dor, de as vezes não saber o que tava fazendo, de não saber o motivo e de pensar que não tinha como ser mais feliz.
Três anos, uma sms estranha, o fim que não foi, as revelações mordazes, minha prima, a secretária dele e não sei mais quem. Porque. Porque então ele não me deixava ir, eu pedia, eu implorava, e ele implorava pra eu ficar. No ultimo dia eu sabia dizer bem o que eu sentia, uma faca, dilacerando meu coração, não era só entrando, entrava e remexia lá dentro, cutucava, tirava, entrava, saía e voltava de novo, não párava, doía. Ele ligou durante cento e oitenta dias seguidos, todos os dias. Eu não atendia e doía. Eu dormia, acordava e doía. Eu fazia de conta que tava seguindo com a vida e doía. Mudei de cidade, faz tempo. A ferida fechou, mas a cicatriz não me deixa mentir, nem esquecer.

- Bruna Maia Amorim



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